Dolarização, depreciação, dívida armadilhas potenciais para os investidores argentinos

Dolarização, depreciação e dívida armadilhas potenciais que os investidores argentinos devem enfrentar

NOVA YORK, 20 de outubro (ANBLE) – Os argentinos darão um passo adiante no próximo domingo para decidir quem administrará a economia de US$ 600 bilhões, envolta por uma profunda crise de inflação galopante, falta de reservas de dólares americanos e um eleitorado com pouca confiança em sua moeda.

Independentemente de quem ganhar a corrida entre o populista libertário Javier Milei, o ministro da economia de centro-esquerda Sergio Massa e a ex-ministra de centro-direita Patricia Bullrich, o próximo governo terá que lidar com uma enorme quantidade de dívida e com um peso tão fraco que o candidato líder propõe eliminá-lo.

Os investidores chegam à eleição de olho em uma economia em recessão causada por uma seca avassaladora que atingiu o setor agrícola chave. A inflação está em 138%, as taxas de juros locais estão em 133% e o peso no mercado negro já perdeu mais de 60% de seu valor este ano. A diferença em relação à taxa oficial é superior a 150%.

Em jogo está a sobrevivência do programa de US$ 43 bilhões do país com o Fundo Monetário Internacional e a possibilidade de a Argentina dar um calote em sua dívida pela décima vez.

“O próximo governo enfrentará grandes desafios de execução em um contexto de aceleração da inflação e falta de reservas cambiais significativas”, disse Alejandro di Bernardo, gestor de investimentos em dívida de mercado emergente da Jupiter Asset Management.

O recente aumento nos gastos do governo está “sendo financiado pela monetização do banco central, o que teve a consequência não intencional de alimentar ainda mais as expectativas de inflação”, acrescentou di Bernardo.

As pesquisas mostram que Milei, a surpresa da votação primária, está na liderança. O candidato da coalizão governista, Massa, expandiu os subsídios e reduziu os impostos enquanto disputa com Bullrich o segundo lugar, na expectativa de um segundo turno em novembro. As pesquisas foram amplamente enganosas antes das primárias, aumentando a incerteza.

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EM VERDE CONFIAMOS

Milei prometeu fechar o banco central e dolarizar a economia para combater a inflação na raiz, recomendando que os argentinos evitem o peso, que nem sequer serve como “excremento”.

O vice-ministro da Economia, Gabriel Rubinstein, publicou em uma rede social chamada X, anteriormente conhecida como Twitter, que o dólar ficará em 350 pesos depois da votação de domingo, com uma taxa de câmbio flutuante de 3% ao mês a partir de 15 de novembro.

O panorama da moeda é incerto no mínimo. O peso enfrenta três principais fontes de incerteza, alerta o JPMorgan: inflação, diferença entre as taxas oficial e do mercado negro, e a chance de cada candidato vencer. O banco prevê uma taxa de câmbio de 750 pesos por dólar até o final do ano e 1.400 em setembro do próximo ano.

A base monetária da Argentina está um pouco acima de US$ 20 bilhões na taxa de câmbio oficial de 350 pesos, mas cai para US$ 8 bilhões na taxa do mercado negro. Excluindo uma linha de swap de moedas com a China anunciada na quarta-feira, as reservas cambiais são negativas.

“Eles não têm dólares suficientes para converter a base monetária, então teriam que emitir dívida externa apenas para começar a dolarizar”, disse Elijah Oliveros-Rosen, chefe ANBLE para mercados emergentes na S&P Global Ratings.

“A dolarização não resolveria o principal problema na Argentina, que é um problema fiscal muito grande.”

Apesar de abordagens diferentes, todos os três candidatos concordam que é necessário cortar gastos. A Argentina se comprometeu com um déficit fiscal de 1,9% do PIB em seu programa com o FMI, mas as estimativas indicam que ele estará mais próximo de 3%.

Milei e Bullrich falaram em cortar subsídios, mas o governo investiu neles, até mesmo informando aos eleitores que as passagens de ônibus de 59 pesos custariam 700 pesos sem o apoio do governo.

O financiamento de subsídios é em parte responsável pelo aumento da dívida governamental, que ultrapassou US$ 400 bilhões no segundo trimestre e atingiu recordes históricos, segundo dados do Instituto de Finanças Internacionais. A relação total dívida/PIB deve subir para 89,5% este ano, em comparação com 84,7% em 2022, de acordo com o FMI.

“A realidade é preocupante no sentido de que a Argentina tem apenas muita dívida”, disse Zulfi Ali, gestor de carteiras com foco na América Latina pela PGIM.

Analistas da Oxford Economics veem o calote como “praticamente inevitável” até 2025, mas com um valor justo entre 30 a 35 centavos nos títulos internacionais, os preços atuais são atraentes – se você conseguir lidar com o risco.

A falta de clareza nas políticas cambiais e de controle de capitais aumenta a incerteza nos mercados locais de títulos, disse o JPMorgan, recomendando ficar à margem do mercado interno de títulos soberanos de US$ 125 bilhões, enquanto se mantém com peso de mercado nos títulos internacionais, onde a incerteza já está precificada.

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Com pagamentos relativamente pequenos vencendo na dívida comercial e com a expectativa de que o atual programa do FMI continue pagando pelo anterior, o montante da dívida da Argentina pode não ser a questão mais urgente, disse Shamaila Khan, chefe de renda fixa para mercados emergentes e região da Ásia-Pacífico na UBS Asset Management.

“A dívida não precisa ser uma prioridade imediata”, disse Khan, que também não espera a dolarização para liderar a lista de prioridades a curto prazo.

“Será importante demonstrar um compromisso com políticas ortodoxas por meio da desvalorização e ajuste fiscal, bem como estabelecer cooperação com o FMI.”

Principalmente este último ponto pode ser difícil para Massa, uma figura-chave no contexto da relação deteriorada com o credor de Washington.

No entanto, ter participado das negociações também pode ajudá-lo, segundo Hans Humes, diretor de investimentos da Greylock Capital Management.

“(Massa) pisou nos calos do FMI e eles não o amam, mas ele é uma quantidade conhecida”, disse Humes.